BH 2019: SOBREVIDA – PATRICIA GOUVÊA – 05/10 a 16/11/2019

    • Sobre a exposição/About the exhibition

      Há um momento singular, quando se veleja rumo ao alto oceano, em que a presença da terra firme se esmaece, deixa de predominar, e então o mar, o céu e os ventos envolvem por completo o navegante, e tudo se torna diferente. Algo de similar se passa com os alpinistas quando avistam o cume, e com os astronautas quando o ronco dos foguetes silencia. E, é claro, quando se adentra a floresta.
      A floresta condensa toda o viver, toda a vida. Inumeráveis dimensões, possibilidades de ação, movimento e desvio, simultâneas e redobradas, encarnam-se na profusão de seres, em perene mescla, em disparatada harmonia. A floresta é linguagem, mil línguas murmurando-se, mil sombras lampejando-se. Poucos infinitos nos são dados de modo tão inteiro, tão múltiplo, tão intimamente estrangeiro. A floresta tudo toma, pois está no mais de tudo fundo. Estar ali é tornar-se algo, outro; o inconsciente se estrutura como uma floresta. A Amazônia é o inconsciente do Brasil.
      Sobretudo, a floresta é complexa. Muitos componentes, em muitas relações mútuas, escalonadas em muitos níveis de ordenação. Ser complexo é dobrar-se sobre si e sobre o fora. O oceano americano de clorofila se conecta com o oceano africano de silício atravessando as águas do Atlântico. Grãos de poeira são trazidos do Saara pelos ventos alíseos e nucleiam chuva na Amazônia. A evaporação da floresta recicla esta umidade, formando rios áereos que irão se despejar nas nascentes e bacias do Sudeste. As cataratas do Iguaçu advém assim do deserto – evidência da interconexão global do sistema complexo Terra – mas ainda mais notável é compreender que a transpiração da floresta é sua respiração: a floresta gera a chuva que a gera.
      Este é o contexto em que podemos situar as ações humanas na e sobre a floresta. Durante milênios os povos originais ocuparam e transformaram a floresta, fertilizando-a com a terra preta de índio, semeando com castanheiras uma faixa diagonal sudoeste-nordeste de milhares de quilômetros, incorporando-se a seu corpo. Desde que o Antropoceno – a época em que o conjunto da atividade humana tornou-se uma força de alcance planetário – se instalou, porém, há pouco mais de seis décadas, um terço da extensão da mata foi destruído ou alterado. A suavidade da presença milenar indígena contrasta brutalmente com o impacto da voragem capitalista. E é aqui que a questão da sobrevida – da floresta, dos índios, do Brasil – se coloca, indesviável.
      A poesia meticulosa das imagens de Patricia Gouvêa designa precisamente este horizonte de deslimites. A floresta reassimila a casa arruinada, como convém, espalha suas marcas refazendo sua pele de musgos, assoma miraculosa no bocal imóvel do encanamento perdido. O homem dá-lhe o que não carece – um nome, um centro. O tempo humano dos artefatos se afoga no ciclo imenso das terras raízes troncos e folhas, mas cautela: se a floresta vive de si, deslinear como os meandros de um igarapé, sem si se extinguirá. Como nós.
      Sobrevida é sobrenós.
      Luiz Alberto Oliveira

      Abertura: 05/10/2019, 11h

      Exposição
      de 07/10/2019 a 16/11/2019
      de Seg. a Sex. – 10 às 19h
      Sáb. – 10 às 14h

    • Informação(ões) do(s) artista(s)/About the artist(s)

      Patricia Gouvêa nasceu em 1973 no Rio de Janeiro, onde trabalha. Artista visual, trabalha em fotografia, vídeo, instalação e intervenção urbana. Seu trabalho prioriza a fotografia e a imagem em movimento e suas possíveis interfaces, onde a noção de tempo constitui um dos principais eixos de pesquisa. Graduada em Comunicação Social (ECO/UFRJ), Especialista em Fotografia e Ciências Sociais (UCAM/RJ) e Mestre em Comunicação e Cultura na linha Tecnologias da Comunicação e Estéticas da Imagem (ECO/UFRJ). Entre 2005 e 2009 fez parte do coletivo Grupo DOC (Desordem Obssessiva Compulsiva), que promoveu dezenas de ações no Brasil e no exterior. Publicou os livros: “Membranas de Luz: os tempos na imagem contemporânea” (2011, Azougue Editorial), Imagens Posteriores (2012, Réptil Editora), Banco de Tempo (2014, em parceria com Isabel Löfgren, edição das autoras) e Mãe Preta (2018, em parceria com Isabel Löfgren, Frida Projetos Culturais) e participou de muitos outros.

      Participou de dezenas de coletivas e realizou exposições individuais na China, na Itália, no Brasil, na Colômbia e Argentina. Em dupla com a artista Isabel Löfgren desenvolveu as pesquisas de longa duração Banco de Tempo (exposição, site e livro com edição independente) e Mãe Preta (exposição, site e publicação). Tem trabalhos em coleções privadas e acervos institucionais, como a Coleção Joaquim Paiva/MAM e Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro.

      Foi uma das fundadoras da Agência Foto In Cena (1995/98) e do Ateliê da Imagem (1999), espaço cultural independente dedicado à pesquisa, reflexão e produção da imagem no Rio de Janeiro, no qual atuou como diretora artística até dezembro de 2013.

       

    • Imprensa

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