Eu e Bel somos artistas, casados há vinte anos, mas foi só ano passado que começamos a produzir arte juntos. Bel achou guardada uma tela pequena de paisagem pintada por mim, e propôs um bordado na pintura. Apesar de ter por mais de vinte anos como tema, vasos de flores, em minhas pinturas, as paisagens que eu guardava como lembrança das viagens e observações da natureza, não saiam da minha cabeça. E certeza, um dia elas iriam brotar em minhas telas. Acho mesmo que estavam esperando por essa proposta da Bel, para tomarem forma.
Mas, para contar um pouco sobre esse encontro entre pincéis e agulhas, me permitam voltar no tempo.
Eu convivo com arte desde muito cedo. Aprendi a desenhar e a tocar os clássicos no piano, ao mesmo tempo em que aprendi a ler e a escrever. Sou filho de artista plástico e publicitário, então, cresci em um ambiente onde se respirava criatividade.
Eu nunca enxerguei pintura e música como artes distintas, tanto que consigo “ver” música e “ouvir” pintura em minhas telas. Posso tentar explicar um pouco do que imagino, citando o pintor russo Wassily Kandinsky (1866-1944) que assistiu em Munique (Alemanha) a um concerto de piano de Schoenberg. Ele, ao voltar para casa, pintou a tela “Impressão 3 (Concerto)”. No mesmo ano, Kandinsky publicou seu célebre texto “Do Espiritual na Arte”, em que descreve três tipos diferentes de pintura: “impressões”, “improvisações” e “composições”, nos quais revela os fundamentos da linguagem abstrata na arte. O mundo musical que me encantava foi, aos poucos, integrando-se às formas e cores da pintura.
Gosto de passar horas contemplando as mudanças das cores no céu onde moro, as ondulações das marés nas praias do Rio de Janeiro, onde nasci, e o movimento das folhagens que dançam ao sabor do vento nas copas das árvores. No ato da pintura, permito que essas lembranças conduzam todo o meu gestual.
Bel também começou nas artes muito cedo. O bordado foi incentivado pelas avós e a fotografia, pela mãe. Quando adolescente, impulsionada pela curiosidade em descobrir e abrir novos caminhos, foi estudar fotografia e história da arte na Europa.
Quando casamos em 2001 ela já trabalhava profissionalmente com fotografia. Em 2020 no início da pandemia, o bordado retornou à vida dela de maneira intensa como um instinto de sobrevivência e sanidade mental. Nesta época, para se sentir junto à mãe, que mora longe, ela mandou de presente uma arvore genealógica bordada. A necessidade de estar em casa, criou um laboratório de criatividade imenso, e o resultado, foram as descobertas diárias de novos bordados e novas possibilidades.
“O bordado foi o meu grande companheiro, um presente nesse período tão difícil de reclusão. Eu não consigo descrever direito a intensidade desse encontro, só sei que foi mágico. A vida me obrigou a parar, ficar quieta e centrada, e para não pirar nessa turbulência de emoções eu renasci bordando. As ideias não param de brotar, e o prazer da descoberta é diário”, disse ela.
O casamento por si só, já é um desafio. Então, porque não ampliarmos esse desafio para as artes, juntando diferentes habilidades? Uma arte emaranhada na outra. Tudo junto e misturado.
Coragem, foi a palavra bordada em uma tela pequena. Coragem define a nossa vida. Dela, surgiram bordados com formas abstratas que dão força e intensidade à pintura. Coragem foi o estopim dessa ousadia, desse ímpeto que não nos fez parar.
Nosso processo criativo se dá, da seguinte maneira: eu começo pintando o que a princípio seriam formas quase que abstratas, porém com objetivo de criar ambientes, paisagens. Quando termino a pintura, eu e Bel, iniciamos juntos um novo processo, que é discutir como e onde entram os bordados. Acordados, eu traço com caneta especial, a indicação onde a Bel irá bordar. Escolhemos as cores e os tipos de linhas. Bel então começa o processo do bordar. A mágica acontece.
Dividir, somar, multiplicar, criar, realizar, descobrir, se perder e se encontrar. Para nós, vivendo no Brasil, cercado por natureza exuberante e um colorido realçado por um sol de intensa luminosidade, nada mais natural do que transportá-lo para as nossas obras. Na verdade, a nossa própria existência como ser e artistas.


















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