Machina mundi Ghisoni
Localizamos os objetos e os eventos no espaço e no tempo de duas maneiras. Podemos localizá-los em relação a nós mesmos ou relacioná-los entre si, sem referência a um sujeito.
Quando dizemos que algo é aqui ou ali, que é agora ou mais tarde etc., a determinação é feita em relação ao lugar no espaço e ao momento no tempo no qual nos encontramos.
Essa modalidade de determinação é chamada de “egocêntrica” (centrada no eu). Podemos também dizer que algo está a uma determinada distância de um determinado objeto, que é simultâneo, posterior ou anterior a um dado evento etc.
Essa modalidade de determinação é chamada de “alocêntrica” (literalmente: sem centro) e relaciona os objetos entre si, sem referência ao lugar no espaço e no tempo, no qual se encontra o sujeito que enuncia a sentença.
Ao longo da história, essa distinção contemporânea foi concebida como o contraste entre a perspectiva humana e a perspectiva divina. Os seres humanos estão sempre inseridos no espaço e no tempo, e ordenam suas vidas em relação às posições que ocupam.
Deus, dada a sua omnipresença, não estaria em um lugar específico, mas em todas as partes (como a esfera infinita do filósofo Pascal, cujo centro se encontra em toda parte).
O mundo sob a perspectiva de deus (pelo ponto de vista da eternidade) seria alocêntrico (sem centro).
Claudio Edinger, em suas novas fotos, se eleva sobre os eventos mundanos de nossa vida cotidiana. Essa elevação tem um duplo sentido: o sentido literal da fotografia aérea e o sentido metafórico da ascese.
Com essa elevação, nas fotos de Claudio, o olho humano se torna o olho divino. Isso gera uma tensão entre a perspectiva humana e a divina – entre o quadro de referência egocêntrico e o alocêntrico. Essa tensão tem profundas consequências fenomenológicas e para a linguagem.
Do ponto de vista fenomenológico, com essa elevação, as relações que constantemente traçamos entre nós e o mundo são suspensas. O centro da visão se torna visão de “lugar nenhum”. Com isso, suspende-se também a ideia de um corpo no mundo que observa o espaço e o tempo. O corpo do sujeito que contempla dissolve-se na eternidade de um deus sem centro.
Do ponto de vista da linguagem, essa confluência entre o humano e o divino leva a uma supressão de nossa linguagem egocêntrica. O que ordinariamente chamamos de perto ou longe, pequeno ou grande, rápido ou lento perde o sentido. Não é sem razão que a contemplação do mundo pelo ponto de vista divino da eternidade (sub specie aeterni) é geralmente descrita como a experiência mística do indizível.
É a experiência deste indizível (no qual o humano e o divino colapsam e o eu dissolve-se em pura contemplação) que Claudio nos dá aos olhos em sua nova exposição.
Machina Mundi: As engrenagens do mundo